Por: Gabriel Troiano
Em 1927, o Alemão Werner Heisenberg nos presenteou com um dos conceitos mais importantes que deu origem aos estudos da mecânica quântica: o princípio da incerteza. Além de ter ganhado o prêmio Nobel de Física com suas especulações, Heisenberg nos desafiou a ir aos limites da compreensão humana, para realmente enxergar o que está por trás de muitos dos desafios e contradições que enfrentamos, tanto na vida pessoal quanto na profissional.
Mas o que diz então o princípio da incerteza? De acordo com o físico, existe, de fato, uma impossibilidade de medir, simultaneamente, a posição e a velocidade de uma partícula com total precisão. E, além disso, quanto mais sabemos e conhecemos de um determinado valor de uma partícula, menos sabemos das complexidades da outra. É uma ideia que mexe com nosso cérebro, que está acostumado a buscar soluções rápidas e racionais para problemas que são, aparentemente, fáceis de desvendar. Mas a teoria de Heisenberg claramente destrona qualquer possibilidade de entendimento e ânsia revelatória de nossos dilemas.
Uma das discussões que tivemos recentemente na TroianoBranding, me fez pensar mais ainda sobre esse tema misterioso e instigante. Quando estudamos brand equity, algo que foi debatido em profundidade por profissionais do mercado como Kevin Keller e David Aaker, queremos, muitas das vezes, entender a sinergia entre as marcas e seus consumidores, captar a natureza, intensidade e força dessa relação. Mas essa procura se acentua quando realizamos um trabalho etnográfico que prioriza o envolvimento de um pesquisador com um grupo de pessoas ou comunidades. E nada melhor para um etnógrafo do que uma bela observação. Mal comparando, etnografia é um mergulho em profundidade, não é uma radiografia superficial mas uma “endoscopia”.
Na observação da etnografia para finalidades mercadológicas e, por essência, sociológicas, Heisenberg projeta para nós suas mesmas inquietudes: será que estudando um evento, uma particularidade, um lado da equação, acabamos ocultando e impossibilitando a mera capacidade de enxergar o outro lado da equação? Será esse conceito tão definitivo e determinista quanto ele foi e é para a mecânica quântica?
Bom, como nunca conduzi uma investigação etnográfica plena, não sei por onde começar a responder essa pergunta, mas aprendi, quase que por osmose, trabalhando em Branding, os ins e outs dessa técnica de pesquisa. A observação em si, algo que podemos praticar a qualquer momento, é a peça chave da etnografia. Sem ela, não podemos nem montar a equação, o conjunto. Mas apresento aqui uma outra inquietação: outros métodos de pesquisa, sejam eles quantitativos ou qualitativos, não chegam nem perto ao nível de profundidade de um bom trabalho etnográfico.
Discussões em grupo, entrevistas, questionários, e qualquer outro método podem ser vítimas do conceito de Heisenberg. Perdemos informações, detalhes diante de nossas especulações quando decidimos colocar o foco em um determinado sujeito ou ideia. É quase que inevitável. Veja as entrevistas, por exemplo. O quanto nossas perguntas ao entrevistado já são fabricadas para gerar um certo tipo de resposta, e como nossos próprios preconceitos podem alterar a formulação de tais inquéritos. O quanto somos guiados por um caminho que nós mesmos escolhemos, mas que acaba ofuscando os sentimentos e desejos mais profundos das pessoas que estudamos! E, não preciso nem falar das consequências disso para um trabalho completo e genuíno de Branding.
Por isso, tenho acreditado fielmente no processo etnográfico e na pesquisa qualitativa proveniente dele, que pode produzir a compreensão necessária para o pensamento profundo, como diz James Forr, Head de Insights na Olson Zaltman. Mas o processo também tem suas incertezas, seus Heisenbergs. Ao escrever isso, me deparo com outro conceito, proveniente da psicologia: a contratransferência. Freud estudou isso a fundo e argumentava que o terapeuta, como o etnógrafo, pode sofrer fortes reações internas ao se atrelar à vida e preocupações do paciente. O terapeuta é movido pelas histórias, pelas emoções e experiências de seu paciente, e o mesmo acontece em trabalhos de etnografia. O convívio do pesquisador com famílias, indivíduos e comunidades pode, sem dúvida, afetá-lo emocionalmente, o que faz da conclusão do trabalho e fechamento da equação final um passo muito complicado. As perguntas mudam, as respostas e observações assumem um caráter mais “humano”, ao mesmo tempo que o próprio etnógrafo começa a ver um simples estudo de relacionamento entre marcas e pessoas, um grande desafio de como não deixar os preconceitos tomarem conta da meta final.
Me desculpe Heisenberg, mas nesta próxima parte do artigo, vou ter que discordar com ele. A etnografia procura entender, se aprofundar na vida “tribal” de muitas pessoas. Procura analisar aquilo que todos nós escondemos do mundo, aquilo que só fazemos dentro de casa, mas que, para um etnógrafo, se revela de uma forma transparente, translúcida. Através da etnografia, podemos “burlar” um pouco as leis de Heisenberg, enxergar o que está por trás dos relacionamentos, do comportamento de consumo de crianças, de rituais familiares, captando, com maior precisão, os dois lados de uma moeda. Talvez não conseguiremos analisar a moeda inteira, mas com certeza esse nível de profundidade nos auxilia a ver suas outras faces que não não ficam tão distintas através do uso de outras metodologias.
Volto para o físico alemão e seus ensinamentos. Em muitos casos no Branding, quando tentamos entender os comportamentos de consumidores (porque Branding começa com entender pessoas!), vamos ter resquícios do princípio da incerteza que nos ensinam a melhorar nosso approach, nosso trabalho. Lembro-me da história de Béla Bartók, o pianista e compositor Húngaro, que estudou e conviveu com comunidades rurais em países como a Eslováquia para analisar a fundo a música folclórica, que depois serviu como base para a fundação do que hoje conhecemos como etnomusicologia. Bartók estudou e escutou ao vivo mais de 3000 melodias e textos. O quanto isso deve ter sido importante para ele e o quanto isso, de fato, representa esse nosso desejo de sempre tentar entender um pouco mais sobre as pessoas e relações ao nosso redor.
Muitas outras variáveis podem afetar nossos trabalhos como pesquisadores, como profissionais de Branding. Aprendi um bom exemplo disso em uma das aulas quando cursava sociologia na faculdade nos Estados Unidos. O efeito Hawthorne, como ele é conhecido, por exemplo, pode acontecer em muitos casos, e não só na etnografia – é a noção de que indivíduos se comportam de uma maneira diferente quando sabem que estão sendo observados. Como não escapar desse grande impedimento? Difícil. Mas se nos propusermos a chegar aos limites da compreensão, talvez assim possamos ver as partículas de Heisenberg. Veremos sua posição e mediremos sua velocidade. Segredo, não há. O importante é observar, realmente observar, ouvir e sentir.
Sensacional e inspirador!