Economistas olham com atenção e aparatos técnicos para a dinâmica do território em que são proficientes: a grande lente angular do mercado, dos seus movimentos, do fluir da financeira. Obviamente, nem sempre são capazes de antecipar com precisão o que nos espera no futuro próximo. Aliás, coisa que nem os oráculos conseguem, apenas os poetas e artistas são capazes disso.
Ao olhar que enxerga os movimentos da economia escapam as tramas e batalhas mentais na cabeça dos consumidores. Mesmo sabendo, como nós já sabemos, que é neste específico campo de batalha que estão plantadas as raízes do que responde por mais de 60% do nosso PIB: o consumo das pessoas e suas famílias.
Uma dupla de grandes pensadores do ambiente mercadológico, na década de 1970, Al Ries e Jack Trout, escreveu o icônico livro Positioning, cujo subtítulo é A batalha por sua mente. Eles nos diziam que são operações mentais que acontecem num pequeno espaço pequeno e úmido de um centímetro cúbico.
Há várias décadas, eu e os profissionais na minha área temos convivido com esse campo de batalha. Como se fôssemos correspondentes de guerra, com máquina fotográfica, equipamentos de observação e de gravação a tiracolo e um indefectível Moleskine nas mãos. Correspondentes de guerra não lutam mas têm a suprema missão de entender e registrar os movimentos humanos. E para nós, como um correspondente de guerra dessas batalhas mentais, o que vemos é um ambiente muito menor e quase microscópico comparado à grande angular dos economistas. Nossas operações não se concentram na Faria Lima e Paulista (SP) e suas telas. Mas em horizontes transversais onde vivem os diversos degraus da nossa pirâmide social. Eis nossa vocação como profissionais de Branding e comportamento de consumidor. Uma leitura sub-microscópica do que se passa naquele pequeno espaço mental.
Consumidores dizem o pensam, mas fazem o que sentem. É dessa compreensão que estamos em busca se quisermos entender o que nos reserva o próximo passo que o consumidor dará.
Pois bem, é exatamente aí que nós nos distinguimos dos economistas, não por oposição a eles, mas pela natural complementaridade de nossas lentes.
O que nos separa é que economistas têm um olhar para fatos consumados no resultado dos movimentos do mercado. Um olhar tecnicamente privilegiado que as planilhas que retratam esses movimentos mostram cruamente.
Nós, nas operações de Branding e comportamento de consumidor, identificamos o que ainda não se consumou como fato definitivo ou como resultado concreto. Como se fosse um caleidoscópio que ainda não girou mais uma vez, mas, com as mesmas pecinhas internas, vai constelar uma nova figura.
Nós somos caçadores de intenções!
Nestes momentos que estamos vivendo, em que há muita apreensão em relação ao futuro próximo, o consumidor é uma fera enjaulada. Uma natural evocação ao que escreveu Henry James (A fera na selva)
Dentro dele, vai se acumular muita energia que não será traduzida em comportamento de consumo imediato. Ele estará vivendo grandes paixões por suas marcas idealizadas e por seus projetos de compra, que não vão se materializar integralmente, da noite para o dia.
O que a fera enjaulada fará nos próximos botes. Procuramos ardentemente entender como a energia contida nos consumidores, nos seus desejos recônditos (mais do que revelados) poderá desembocar num caminho para que ela se transforme em fonte de prazer, felicidade e bem estar. E não se dissipe, não se degrade, e nem continue recalcada e armazenada. É a conversão útil dessa energia que alimenta os tais 60% do PIB.
Meus colegas de 5 anos de engenharia na FEI me desculpem se eu vou cometer um sacrilégio. Mas não consigo dissociar esse raciocínio do que acho que aprendi em aulas de Termodinâmica.
A primeira lei da termodinâmica é a que aplica o princípio da conservação da energia. “A transferência de energia para dentro e para fora de um sistema se dá pela transferência de calor e pela realização de trabalho”.
Acredito que o paralelo não é gratuito. Os movimentos de crescimento da economia dependem do quanto essa conversão de energia, de desejos, necessidades e sonhos possam se realizar concretamente no mercado. Afinal, nós consumidores somos os que dirigem e mandam nos destinos do mercado. Não é o capital, não são as indústrias, não é o universo financeiro. A mão invisível do mercado tem braços, uma cabeça e um corpo. Gosta de se alimentar bem, adora ser vacinada, trabalha, se diverte, vota, torce pela seleção. Completem vocês.
Temos muito que aprender com a engenharia financeira e o pensamento macroeconômico. Eles começaram séculos antes. Nós ainda somos aprendizes de feiticeiros, em nossa cuidadosa “alquimia” como profissionais de Branding e comportamento de consumo. Mas temos habilidades únicas e complementares.
Nós espiamos por frestas, que desvelam sonhos e desejos carregados de energia.
Somos caçadores de intenções!
Jaime Troiano
Publicado originalmente no jornal O Globo (11/01/2022)
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